quarta-feira, 31 de março de 2010
domingo, 28 de março de 2010
Hopper a Roma
Domingo a tarde (como é primavera e temos um novo horário por aqui, a noite cai lá pelas 19h30 - Que ótimo!) fui ver Hopper. Caio na mesmice dizendo como o trabalho dele era fantástico, cheio de luz. No catálogo, uma frase resumo: 'quello che vorrei dipingere è la luce del sole sulla parete di una casa'. Se viesse a Roma, na primavera, encontraria uma luz fantástica. Mas não encontrei nada ali da Itália e o que encontrei de Paris e Inglaterra deixa claro o lugar a que Hopper pertencia: a América!! Paris e Londres são escuras, quase sombrias nas pinturas de Hopper (pelo menos nas que estavam expostas) enquanto que as paisagens estadunidenses são luminosas. Os quadros e os desenhos mostram todo o percurso de Hopper para alcançar tal luminosidade e entrar para o hall dos grandes pintores contemporâneos. As paisagens quase inverossímeis de tão tranquilas conflitam com o burburinho dos visitantes. São muitos, crianças de colo e maiorzinhas, adolescentes, pais e filhos num emaranhado de sons vindos dos 'audioguide'. Tudo destoa das paisagens de Hopper, mas ok, isso faz parte do processo. Na saída, faço mais um giro pelo centro histórico, estou sozinha hoje. E, sem sucesso, tento um lugar para sentar e comer, antes de voltar para casa. Nada, tudo cheio, cheio. É primavera!! Pego um táxi e paro aqui perto, Piazza Vescovio, e encontro um 'posto carino', pequenino e que tinha lugar para mim, uma pessoa sozinha. Ótimo, peço um prato delicioso (pasta com vongôle e bottarga 'che non era de atum', pois era vermelha, então não sei de que peixe era) e um bom copo de vinho. O lugar era um pouco sombrio, devo dizer, e depois do copo de vinho, pensei que os dois irmãos, donos do restaurante, pudessem ser mafiosos sicilianos. A noite terminou bem, bons sonhos...
'Alla primavera'
Ontem a primavera chegou de verdade por aqui, o clima melhorou muito, o ar seco e frio aos poucos vão indo embora. Foi minha primeira caminhada noturma no centro da cidade. E que delícia!! Ainda mais em boa companhia, com Andrea, Christian (seu irmão) e Luciana. Cheio de gente bonita, restaurantes e bares lotados. Todos os sotaques do mundo pelas calçadas e ruas estreitas do centro histórico romano. As roupas estão mais leves, as botas já foram para os armários e se encontra até gente de bermuda. 'Tedesche' (alemães), penso e comento com Andrea (fotos acima). Eu ainda não me livrei dos casacos, mas ontem arrisquei um vestidinho, com muita meia grossa, de lã, por baixo. Deu para encarar, caminhei pela cidade leve, feliz. Nada de saltos, por favor, as ruazinhas centrais são de paralelepípedos, muito melhor usar sapatinhos baixos, confortáveis para curtir a cidade. E que luz incrível tem Roma de noite, principalmente às vésperas da lua cheia. Foi um daqueles momentos únicos, de total encantamento com a cidade. Até a minha dor de garganta, que me fazia muito mal nos últimos dois dias, melhorou depois da 'bela passegiata'.
quinta-feira, 25 de março de 2010
Roma e saudade da Sofi
Hoje voltei para Roma, antes passei em Ascoli para ver Sofia. Dormimos juntinhas e acordamos agarradinhas uma na outra, com tantas juras de amor. Ela vinha comigo para Roma, mas depois decidiu ficar em Ascoli com a nonna e com os primos. Se dá bem com dois deles: Elena e Davide. Com Federico a relação é difícil, brigam muito e brincam pouco. Minha cunhada, dura como uma coluna traiana, diz que Sofia é mandona, não aceita um não como resposta e quer sempre dar a última palavra. Mas no final acabam se entendo. Eu prefiro ficar de fora, mas hoje deu vontade voltar correndo e buscá-la. Bateu aquela saudade e, em seguida, ela me ligou dizendo que também estava com saudade... e que eu não estava lá para fazer cafuné na sua cabecinha... Fizemos mais algumas juras de amor, muitos 'ti amo' e contamos os dias para eu ir vê-la. Disse que meu coração está com ela. Ela concordou. Hoje, quando acordou, fez todo um sábio discurso sobre como resolver problemas: 'abrir a portinha do coração, mamãe'. Sofi, Sofi, Love you, Xuxu. E, daqui a seis dias, escreveremos juntas o nosso post, o da sua primeira viagem de trem...
terça-feira, 23 de março de 2010
O jantar na casa do 'marinaio'
E Mauro cozinha muito bem. Fez polenta (primeira foto de cima para baixo). Comemos com gorgonzola, mas daqueles 'veramente' sérios. Para acompanhar, um merlot friulano... Estou começando a entender de vinhos. Para finalizar, um 'dolce' bom e mais vinho: barolo 'chinato' e uma indicação importante: 'deve ser consumido junto com chocolate'.
Um 'marinaio'
Marinaio é marinheiro, lobo do mar, digamos assim. E hoje conheci um deles, Mauro. É o simpático irmão de Laura, que me hospeda aqui em Aviano. Mauro é mais um italiano aqui do Friuli que sabe bem viver a vida. Tem aquele olhar tranquilo, seguro. Eu viajaria com ele sem nenhuma paura. Pois bem, Mauro tem um barco, que fica parado todo o inverno, mas agora, em maio, ele coloca a disposição de turistas (mais endinheirados do que eu, com toda a certeza) para fazer belas viagens. É grande, me diz ele, e muito confortável, 16 pés e cama para dormir que 'comporta' um homem de uns dois metros de altura (aponta o seu amigo Stefano, o namorado de Cecilia, do jantar comunista). Tem 'posto' para sete pessoas, com ele. Parte daqui da Itália e vai para Grécia, Croácia, Turquia e até lugares mais distantes. Para uma semana de viagem até a costa croata, por exemplo, custa cerca de 4.000 euros. O valor cobre o aluguel do barco e os serviços de Mauro, o 'marinaio'. Comida e paradas são por conta dos fregueses. Se querem parar em vários portos para conhecerem ou, simplesmente, 'serem vistos', por exemplo, o custo pode aumentar. Só para estacionar o barco, por exemplo, são cerca de 100 euros. Mas Mauro não faz por dinheiro, é um apaixonado por barcos, pelo mar, por viagens. Ficar parado, em terra, não é muito com ele. Deve estar sempre em movimento, me diz. No inverno, impedido de andar com o barco, ensina esqui na montanha de Piancavallo. Belo lavoro... Se diverte com o que faz. Com o barco, quer ir no Brasil. Vamos, não? Eu já me candidatei...
segunda-feira, 22 de março de 2010
Pranzo a Piancavallo
Hoje o dia era branco, branco, com neblina por toda a parte. Não conseguíamos ver a duzentos metros. E fomos a 'pranzo' (almoço) da Sandro, em Piancavallo. Sandro tem um restaurante lá em cima, na montanha, com pista de esqui e tudo mais (as fotos eu posto depois, deixei o cabo em Roma...). É um belo lugar. Sandro conhece o Brasil, foi lá algumas vezes, trouxe de lá alguns 'rechaud' simpáticos, onde serve uma linguiça de porco saborosíssima. E costelinha também. A primeira vez que foi a San Paolo, Sandro se hospedou na Liberdade, e era encantado com aquele 'quartiere pieno de giaponese'. O hotel ficou na sua memória e diz que, quando voltar (este ano, provavelmente) quer se hospedar lá pelo menos uns dois dias. Agora ele já tem amigos em São Paulo, Mauricio é um deles. E eu também, sou a mais nova a fazer parte do 'quadro'. Ele me pergunta se tenho medo da solidão: 'por niente', respondo e concluo: 'eu gosto'. Então, estamos de acordo, Sandro me cede a sua casa _ e também o seu carro por um período, provavelmente em junho, quando ele faz o seu 'giro' do ano. Vai viajar para o México, Caribe e Brasil. Em agosto, para o verão, volta a trabalhar. Depois, fecha novamente o restaurante por um período e abre para o inverno. E quando Sandro viaja, eu estou em sua casa... Uma boa troca, a montanha branca 'porta' bons pensamentos...
Projeto 'Cinquecento'
Alla primavera
Ainda no Friuli... O sol começa a dar sinais de que aparecerá por aqui, 'speriamo bene', mas a primavera chegou e foi 'brindada' (com muito prosseco, devo lembrar que aqui é a terra dele) com a inauguração de um 'negozio' de venda de flores. Pela quantidade de carros estacionados, calculo que 70 por cento da cidade deu uma passadinha para 'salutar' os proprietários. Até o prefeito, me disseram. Os friulanos todos lá, são altos, elegantes, e tem o pé na Áustria. Isso é que o me disse meu amigo Mauricio - ou Maurizio.
domingo, 21 de março de 2010
'Particolare'
Stefano e Cecília são um simpático casal de Treviso. Moram numa casa linda, colorida e bem aquecida na via Borgo Palu (e palu quer dizer pantano). Para chegar, nos perdemos um bocado. Muitas vias de nome 'Palu' e a simpática moça do GPS nos fez errar o caminho. Pobrezinha, se equivocou, mas chegamos bem na casa de Cecília. E fomos recebidos com caviar e vodca russa. Cecília trabalha para Benetton (é não temos mais as cores deles em terras brasileiras) e, pelo que entendi, é responsável pelos negócios da empresa na Rússia. Então, está sempre em território russo e, de lá, 'porta in Itália' coisas maravilhosas para comer, como boa italiana que é. E adora convidar os amigos para degustar. Mauricio, Laura e Romeo, meus 'anfitriões' aqui no Friuli, por sorte, são amigos de Cecília. Na casa, além do caviar fantástico, da vodca, aperitivos e outras bebidas tipicamente russas, encontramos Lenin. Pálido que só, em cima de uma 'tavola', observava tranquilamente a nossa esbórnia. Logo chegaram duas matrioskas gigantes, coloridas, para lhe fazer companhia. Cecília o trouxe na mochila, com certo medo, peças russas feitas até os anos 50 não podem sair do país facilmente. Mas ela arriscou, era a encomenda para o irmão, mas ele acabou não gostando tanto assim da escultura e Cecília não ia devolver Lenin à Rússia. Ficou com ele em casa. E assim, com Lenin, lareira e matrioskas, a noite correu, agradável, festiva até 3h da manhã, quando deixamos Borgo Palu e retornamos para Aviano.
Laura e o 'lumacuore'
Estou hospedada na casa de Laura, uma pintora muito talentosa. A casa é linda, meio casa, meio estúdio. Tem uma luz linda, fundamental para o seu trabalho. E Laura tem um projeto, que preciso entender melhor, mas que já gostei. É o 'Lumacuore', um projeto de 'land art' que quer mobilizar pessoas de cidades que tem algo para mudar, para melhorar. Lumaca é lesma. E cuore é coração. Juntar as duas coisas foi uma ideia fantástica, que surgiu depois de uma leitura de um texto de Gandhi que dizia que o bem avançava com passos de lesma, de lumaca. Então, a ideia de Laura é espalhar o bem por meio de sua arte, o Lumacuore, que será feito na montanha, o desenho terá mais de 40 mil metros. Será feito com 'sassi', as pedras daqui da região, e lençóis brancos, usados pelos doentes que passaram pelo hospital do câncer daqui, o CRO, um dos mais importantes da Itália. E assim será 'estampado' na montanha friulana esse grande 'lesmacoração', que será um símbolo da paz, da busca por um melhor caminho para uma região, para uma cidade. Vamos levar o Lumacuore ao Brasil!
Base NATO
Estou em Aviano. E aqui OTAN é NATO. A cidade de poucos habitantes é bem diferente das que conheci até agora. Não chegam a 15 mil pessoas e, parece, metade da população é de americanos locados na base de Aviano - um ponto estratégico para o governo dos Estados Unidos. Foi daqui que saíram os caças da Guerra do Golfo, 'na primeira e na segunda edição'. É de Aviano que também partiram os aviões para o Afeganistão, Bósnia, Croácia, Sérvia. Estão alocadas aqui as forças aliadas, prontas para qualquer intervenção na Europa ou no Oriente Médio (bem próximo daqui, é bom lembrar).
Os italianos comentam que a base tem cerca de 50 bombas prontinhas para serem disparadas. Fato que não os deixa nada nervosos, continuam bebendo seu vinho maravilhoso e comendo os queijos perfeitos dessa região. Eu ficaria tensa em viver num lugar assim, mas os italianos daqui parecem não se importar muito.
Os americanos fazem parte da 'paisagem', só que vivem confinados no espaço da base _ que é bem grande _, mas, mesmo assim, não deixa de ser um confinamento. Lá dentro tem de tudo, de supermercado a centro comercial (tradução para os nossos shoppings). Os letreiros, se vê da estrada que corta a base, são em inglês. E quando você não fala bem o italiano, os atendentes de bares locais logo arriscam a falar inglês (com uma certa má vontade), mas ficam bem mais felizes quando explico que não sou americana e sim brasileira. Evivva o "Brasile'!
Os italianos comentam que a base tem cerca de 50 bombas prontinhas para serem disparadas. Fato que não os deixa nada nervosos, continuam bebendo seu vinho maravilhoso e comendo os queijos perfeitos dessa região. Eu ficaria tensa em viver num lugar assim, mas os italianos daqui parecem não se importar muito.
Os americanos fazem parte da 'paisagem', só que vivem confinados no espaço da base _ que é bem grande _, mas, mesmo assim, não deixa de ser um confinamento. Lá dentro tem de tudo, de supermercado a centro comercial (tradução para os nossos shoppings). Os letreiros, se vê da estrada que corta a base, são em inglês. E quando você não fala bem o italiano, os atendentes de bares locais logo arriscam a falar inglês (com uma certa má vontade), mas ficam bem mais felizes quando explico que não sou americana e sim brasileira. Evivva o "Brasile'!
Freccia Argento
Bilhete feito (depois de uma hora na fila), fui comer e encontrei Bruno. Bruno é um desses velhinhos italianos bem elegantes. Devia ter quase uns 80 anos. Falava um dialeto, não entendi muito bem de que 'paese' era o signor Bruno. Comemos junto. Eu, bebendo minha 'mezza' garrafa de vinho tinto. É, é, adquire esse terrível hábito. O vinho aqui é bom e custa pouco. Em geral, menos que uma cerveja. Então, eu tenho me divertido um bocado. Minhas refeições tem sido acompanhadas, sempre, de um bom vinho. Rosso, bianco, prosseco. A escolha depende da região... Mas, bem, Bruno me acompanhou até a minha 'carrozza' de embarque, o que em português seria vagão. Supresa!!! Não existe o vagão 8, que esta escrito no meu bilhete. Ali eu entendi o que me escreveu Andrea, quando falei da emoção da minha viagem 'freccia'. Me disse, em tom de brincadeira: 'você vai ver que viajar nos trens italianos é uma emoção maior que em outros países'... Cinco horas depois, em Aviano, estou convencida disso... Muita emoção, muitos dialetos, muitos idiomas diferentes (inglês, alemão, austríaco). Acho que todos os caminhos levam à Itália...
Bilhete de trem
A primeira viagem de trem na Itália foi para Aviano. Parti de Roma, estação Roma Termini. A compra do bilhete, devo dire, foi um pouco confusa. Aviso aos navegantes: melhor adquirir pela internet. Mas, se como eu, não tiver sucesso na operação, por exemplo, depois de fazer tudo, tudinho que o site da Trenitália, você se deparar com a informação pulsante na sua tela, dizendo: ERRORE, é melhor chegar bem antes a estação. Digo de uma hora e meia a duas antes do embarque, pois as filas para compra dos bilhetes de trem são grandes, bem grandes. E, bom, estamos na Itália, em Roma, isso quer dizer: vai ter confusão na fila. Gente brava, gente impaciente, gente que não sabe se está na fila certa, gente que na passa na frente da gente na maior cara dura. Evviva a 'bota'!!!
segunda-feira, 15 de março de 2010
'Partenza'
Hoje (05 de março) é nosso primeiro dia em Roma. Chegamos com um sol lindo e aquele azul do céu romano, um azul inesquecível desde que pisei aqui pela primeira vez. A Primavera ‘chega’ em poucos dias e, como me garantiu um taxista romano, será ‘belíssima’. Eu acredito. E espero as flores da primavera para curar uma dor que sinto. O dia 04 de março, dia da minha partida do Brasil e da ‘tão programada’ viagem a Itália foi um dia triste, um dia de ‘partidas’. Minha tia querida, Nilda (de cabelos ruivos e curtos), a irmã mais nova da minha mãe faleceu. Morreu ao 12h, de um câncer brutal no pulmão. Meu vôo era 16h, 13h00 eu estava lá no aeroporto de Guarulhos com lágrimas nos olhos e um pesar imenso sobre os ombros. Mais uma vez perdi uma pessoa querida, que eu amava muito. Mais uma vez um diagnóstico tardio diminuindo as chances de cura, mais uma dor que carrego comigo.
São quase meia noite ‘a Roma’, 21h no Brasil, e eu estou aqui lembrando de todos os bons momentos com minha tia querida. Foi com ela que eu descobri o mundo. E acho que nunca a agradeci por isso. Era uma daquelas fases difíceis, a adolescência. Eu era uma daquelas ‘empreendedoras’, vulgo chatinha, que adorava arriscar, e ela a ponderada, centrada, certinha. E foi ela que me ensinou a ‘sobreviver no mundo’. Me falou de amor, de sexo, de cuidados, de melhorar a ‘minha chatice’. Fomos morar juntas em 1993, em Bragança Paulista. Tia Nil (Nilda Maria de Oliveira, para ‘garantir um Google’ e umas linhas de sua história, como escreveu minha amiga e blogueira Débora, sobre uma outra ‘perda’) tinha passado no vestibular para Farmácia na USF (Universidade São Francisco) e eu queria ser diferente das meninas da minha cidade, queria estudar em São Paulo. Tanto fiz que ela acabou me levando junto para o seu primeiro ano de vestibular. Foram dois anos divertidíssimos, devo dizer. Ela me deu broncas, claro, tivemos umas briguinhas, mas, tenho de dizer, tia Nil me apoiou em quase todas as minhas insanidades, como quando ‘encanei’ com a dona da pensão por conta do banho (é eu gosto de banhos demorados, e dona da pensão ficava batendo na porta, isso para mim era o fim) e resolvi ir morar com outras meninas, que só eu conhecia. Ela arriscou, foi comigo, e foi um ano maravilhoso. Éramos em sete moças _ eu, a mais jovem. Dividia o quarto e o guarda-roupas com a tia Nil. É claro que eu ‘me metia’ a usar as roupas dela, que era mais velha, já tinha um gosto melhor do que o meu. E era tão doce. Ela tinha medo do escuro, de ficar sozinha e eu era corajosa demais, vivia pregando sustos nela, fazendo barulhos na janela.
Na casa, logo surgiu uma divisão: eu, tia Nil, Andrea (que fazia Odonto) e Renata (que também fazia Farmácia) nos tornamos companheiras inseparáveis _ e éramos a maioria. Depois tinha a Ana, que era maluquinha e tinha tentado se matar uma vez cortando os pulsos com um estilete. Eu não vi nada, foi tia Nil que a socorreu. Tinha também a Fran (amiga da Ana), que trabalhava demais, era bem ‘chatinha’ e, por ter conseguido alugar a casar, se sentia a dona dela _ era a mais complicada. E tinha a Rose, ‘a inesquecível’. Como rimos dela no nosso quarto. Rose era conhecida como ‘a loba’. O motivo: ela simplesmente uivava quando transava. E o nosso quarto era vizinho ao dela, então, a cada noite de amor da Rose, era diversão garantida para nós duas. Foram muitas as risadinhas no escuro ao som dos uivos da Rose. E, quase sempre, chamávamos o restante do quarteto para ouvir. Andrea e Renata arrastavam os colchões e dormíamos as quatro, morrendo de rir. Bons tempos. E muita, muita saudade.
Também foi a tia Nil que segurou a minha mão quando eu fiquei ‘doente de amor’ pela primeira vez. Tinha tomado um fora do namorado, estava estudando para o vestibular e quase não dei conta de tudo. Fiquei arrasada, tive um começo de depressão, fui parar no hospital. O médico pediu um exame no cérebro, pois eu sentia muita dor de cabeça (depois descobri que era o olho, 4,5 graus de miopia atualmente) e lá fomos nós fazer o tal exame, eu e tia Nil. Mas, chegando lá, no hospital da universidade onde ela estudava, leram o exame errado, fizeram do coração. Nós duas, claro, tentamos contestar, mas ninguém nos deu ouvido. Resultado: sai de lá com um ecocardiograma e tia Nil morrendo de rir me dizendo, animadoramente, que, pelo menos, ‘eu não tinha nada no coração’. Naquela época, tia Nil, naquela época... Hoje eu tenho, e é um vazio, tia Nildinha. Uma dor, uma saudade e, como não deixar de ter, um baita sentimento de culpa: como, mais uma vez, não percebemos isso antes, não cogitamos que ela poderia estar seriamente doente, antes de ser tarde. Como não brigamos mais com os médicos, como não insistimos. Como?
Nos separamos em 1995, depois que passei no vestibular, fui morar em Campinas. No primeiro mês me senti meio desamparada, sozinha. Mas logo veio aquela certeza, aquela ‘sabedoria’ aprendida com a tia Nil. Não me sentia nem um pouco ‘bicho’, era uma veterana!!! Sabia como as coisas funcionavam na faculdade, afinal eu tinha passado dois anos ali, ‘fazendo faculdade com a tia Nil’, participando intensamente da sua entrada na maturidade. Ela fez Farmácia depois tentar Medicina, que era sua primeira opção. Batalhou por isso alguns anos, depois desistiu, mas logo que entrou se apaixonou pelo curso, virou uma farmacêutica de primeira, trabalhava muito, tinha pouco tempo livre. Era muito estudiosa, dedicada. Me lembro dela fechada no quarto estudando química (algo que eu nunca entendi bem), práticas laboratoriais e muitos outros nomes que eu não conseguirei repetir. Agora, neste momento, há quase 10 mil quilômetros de distância da minha família querida, querendo colo, querendo abraçá-los forte, me pergunto se teria sido diferente, se algo que tivéssemos feito teria mudado o destino e a minha doce e graciosa tia Nildinha não teria partido tão ‘presto’. Mas Sofi, minha filhota de seis anos, enxuga minhas lágrimas e diz: ‘mamãe, agora temos mais uma estrelinha no céu para nos iluminar’, e faz as contas: ‘o papai, o vovô Domingos, a vovó Vita, o vovô Lívio...’ E, claro, concordo, mas, no fundo, neste momento, quero um céu nublado. Sem estrelas, sem perdas...
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