segunda-feira, 15 de março de 2010

'Partenza'



Hoje (05 de março) é nosso primeiro dia em Roma. Chegamos com um sol lindo e aquele azul do céu romano, um azul inesquecível desde que pisei aqui pela primeira vez. A Primavera ‘chega’ em poucos dias e, como me garantiu um taxista romano, será ‘belíssima’. Eu acredito. E espero as flores da primavera para curar uma dor que sinto. O dia 04 de março, dia da minha partida do Brasil e da ‘tão programada’ viagem a Itália foi um dia triste, um dia de ‘partidas’. Minha tia querida, Nilda (de cabelos ruivos e curtos), a irmã mais nova da minha mãe faleceu. Morreu ao 12h, de um câncer brutal no pulmão. Meu vôo era 16h, 13h00 eu estava lá no aeroporto de Guarulhos com lágrimas nos olhos e um pesar imenso sobre os ombros. Mais uma vez perdi uma pessoa querida, que eu amava muito. Mais uma vez um diagnóstico tardio diminuindo as chances de cura, mais uma dor que carrego comigo.

São quase meia noite ‘a Roma’, 21h no Brasil, e eu estou aqui lembrando de todos os bons momentos com minha tia querida. Foi com ela que eu descobri o mundo. E acho que nunca a agradeci por isso. Era uma daquelas fases difíceis, a adolescência. Eu era uma daquelas ‘empreendedoras’, vulgo chatinha, que adorava arriscar, e ela a ponderada, centrada, certinha. E foi ela que me ensinou a ‘sobreviver no mundo’. Me falou de amor, de sexo, de cuidados, de melhorar a ‘minha chatice’. Fomos morar juntas em 1993, em Bragança Paulista. Tia Nil (Nilda Maria de Oliveira, para ‘garantir um Google’ e umas linhas de sua história, como escreveu minha amiga e blogueira Débora, sobre uma outra ‘perda’) tinha passado no vestibular para Farmácia na USF (Universidade São Francisco) e eu queria ser diferente das meninas da minha cidade, queria estudar em São Paulo. Tanto fiz que ela acabou me levando junto para o seu primeiro ano de vestibular. Foram dois anos divertidíssimos, devo dizer. Ela me deu broncas, claro, tivemos umas briguinhas, mas, tenho de dizer, tia Nil me apoiou em quase todas as minhas insanidades, como quando ‘encanei’ com a dona da pensão por conta do banho (é eu gosto de banhos demorados, e dona da pensão ficava batendo na porta, isso para mim era o fim) e resolvi ir morar com outras meninas, que só eu conhecia. Ela arriscou, foi comigo, e foi um ano maravilhoso. Éramos em sete moças _ eu, a mais jovem. Dividia o quarto e o guarda-roupas com a tia Nil. É claro que eu ‘me metia’ a usar as roupas dela, que era mais velha, já tinha um gosto melhor do que o meu. E era tão doce. Ela tinha medo do escuro, de ficar sozinha e eu era corajosa demais, vivia pregando sustos nela, fazendo barulhos na janela.

Na casa, logo surgiu uma divisão: eu, tia Nil, Andrea (que fazia Odonto) e Renata (que também fazia Farmácia) nos tornamos companheiras inseparáveis _ e éramos a maioria. Depois tinha a Ana, que era maluquinha e tinha tentado se matar uma vez cortando os pulsos com um estilete. Eu não vi nada, foi tia Nil que a socorreu. Tinha também a Fran (amiga da Ana), que trabalhava demais, era bem ‘chatinha’ e, por ter conseguido alugar a casar, se sentia a dona dela _ era a mais complicada. E tinha a Rose, ‘a inesquecível’. Como rimos dela no nosso quarto. Rose era conhecida como ‘a loba’. O motivo: ela simplesmente uivava quando transava. E o nosso quarto era vizinho ao dela, então, a cada noite de amor da Rose, era diversão garantida para nós duas. Foram muitas as risadinhas no escuro ao som dos uivos da Rose. E, quase sempre, chamávamos o restante do quarteto para ouvir. Andrea e Renata arrastavam os colchões e dormíamos as quatro, morrendo de rir. Bons tempos. E muita, muita saudade.

Também foi a tia Nil que segurou a minha mão quando eu fiquei ‘doente de amor’ pela primeira vez. Tinha tomado um fora do namorado, estava estudando para o vestibular e quase não dei conta de tudo. Fiquei arrasada, tive um começo de depressão, fui parar no hospital. O médico pediu um exame no cérebro, pois eu sentia muita dor de cabeça (depois descobri que era o olho, 4,5 graus de miopia atualmente) e lá fomos nós fazer o tal exame, eu e tia Nil. Mas, chegando lá, no hospital da universidade onde ela estudava, leram o exame errado, fizeram do coração. Nós duas, claro, tentamos contestar, mas ninguém nos deu ouvido. Resultado: sai de lá com um ecocardiograma e tia Nil morrendo de rir me dizendo, animadoramente, que, pelo menos, ‘eu não tinha nada no coração’. Naquela época, tia Nil, naquela época... Hoje eu tenho, e é um vazio, tia Nildinha. Uma dor, uma saudade e, como não deixar de ter, um baita sentimento de culpa: como, mais uma vez, não percebemos isso antes, não cogitamos que ela poderia estar seriamente doente, antes de ser tarde. Como não brigamos mais com os médicos, como não insistimos. Como?

Nos separamos em 1995, depois que passei no vestibular, fui morar em Campinas. No primeiro mês me senti meio desamparada, sozinha. Mas logo veio aquela certeza, aquela ‘sabedoria’ aprendida com a tia Nil. Não me sentia nem um pouco ‘bicho’, era uma veterana!!! Sabia como as coisas funcionavam na faculdade, afinal eu tinha passado dois anos ali, ‘fazendo faculdade com a tia Nil’, participando intensamente da sua entrada na maturidade. Ela fez Farmácia depois tentar Medicina, que era sua primeira opção. Batalhou por isso alguns anos, depois desistiu, mas logo que entrou se apaixonou pelo curso, virou uma farmacêutica de primeira, trabalhava muito, tinha pouco tempo livre. Era muito estudiosa, dedicada. Me lembro dela fechada no quarto estudando química (algo que eu nunca entendi bem), práticas laboratoriais e muitos outros nomes que eu não conseguirei repetir. Agora, neste momento, há quase 10 mil quilômetros de distância da minha família querida, querendo colo, querendo abraçá-los forte, me pergunto se teria sido diferente, se algo que tivéssemos feito teria mudado o destino e a minha doce e graciosa tia Nildinha não teria partido tão ‘presto’. Mas Sofi, minha filhota de seis anos, enxuga minhas lágrimas e diz: ‘mamãe, agora temos mais uma estrelinha no céu para nos iluminar’, e faz as contas: ‘o papai, o vovô Domingos, a vovó Vita, o vovô Lívio...’ E, claro, concordo, mas, no fundo, neste momento, quero um céu nublado. Sem estrelas, sem perdas...

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